indústria fonográfica: imagem preto e branco de computador, mesa de som e disco de vinil

Você já se perguntou o que é a indústria fonográfica, como ela funciona e as modificações que sofreu? Ou ainda, como a própria música e a cultura se modificaram com a gravação? Esse post fala justamente sobre esses assuntos, colocando alguns estudos de pesquisadores nessa área em evidência.

Atualmente, é difícil imaginar que há relativamente pouco tempo não era possível registrar os sons. Anteriormente, antes de a música ser gravada, você teria que ir pessoalmente a uma sala de concerto ou chamar os amigos e familiares para tocar na sua casa, o que era chamado de música de câmara.

Por outro lado, o mundo atual é repleto de música sendo reproduzida a todo momento, seja dos vizinhos, dos carros, dos fones de ouvido. Enfim, você é capaz de levar a música a praticamente qualquer lugar.

Consequentemente, essa música gravada trouxe mudanças significativas nos aspectos sociais, econômicos e culturais. Concomitantemente, a sociedade também sofreu mudanças na forma de como apreciar uma música e, com isso, criou outros significados para a música.

 

O que é a indústria fonográfica?

Primeiramente, temos que entender o que é ‘indústria’. Em poucas palavras, seria a capacidade de transformar uma matéria-prima em produtos que são comercializáveis. Com isso, temos a produção em massa, algo que pode ser copiado diversas vezes.

Já a palavra ‘fonográfica’ advém de ‘fonograma’, que significa a superfície de um material que o som será gravado. Esse material pode ser o vinil, o CD, o DVD, entre outros.

Então, em uma simples definição na própria Wikipédia, temos que a indústria fonográfica:

“é o conjunto de empresas da indústria da música especializadas em gravação, edição e distribuição de mídia sonora, seja em formato de CD, fita cassete, disco de vinil ou em formatos de som digital como o MP3”.

Portanto, a música é transformada em um produto material, algo que pode ser comercializado e reproduzido inúmeras vezes. Desse modo, a música seguiria a lógica do mercado. Esse lugar de compra e venda é o mercado fonográfico. Sendo assim, esse mercado passa a movimentar consideravelmente a economia, financiando a produção musical do séc. XX.

Com a ascensão desse mercado, foram feitos vários comentários contra e a favor. Glenn Gould, por exemplo, alegava que isso acabaria com o público em concertos dentro de um século e que ninguém mais iria querer aprender música. Bem, um século depois a gente vê que isso ainda não aconteceu.

 

Como começou o registo do som?

O livro Escuta Só de Alex Ross possui um capítulo inteiro comentando sobre todos os tipos de registro sonoro: mecânico, elétrico e digital. Sendo assim, usarei os dados desse livro para exemplificar esse subtópico.

1. O Fonoautógrafo

Esse instrumento foi o primeiro a registrar o som em forma de oscilações mecânicas produzidas pela voz humana em um papel. Foi inventado por Édouard-Léon Scott de Martinville em 1860.

2. O Fonógrafo

Inventado pelo famoso Thomas Edson em 1877/78, o fonógrafo foi o primeiro aparelho que gravou e reproduziu o som. Contudo, não foi um aparelho economicamente viável, tendo sido transformado várias vezes. A gravação do som era feita em um cilindro que era perfurado transversalmente.

fonoautografo
Fonoautógrafo
início da indústria fonográfica - fonógrafo vermelho
Fonógrafo

3. O Gramofone

Esse aparelho foi inventado por Emil Berliner em 1888 e foi um concorrente do fonógrafo de Edson. A gravação, ao invés de ser em um cilindro, era feita em um disco giratório com uma agulha que gravava as vibrações do som. Com isso, temos o início do padrão do formato de disco.

4. A Rádio

Os aparelhos mencionados gravavam o som de forma mecânica, já a rádio faz a gravação de forma elétrica. Esse tipo de gravação e transmissão do som acontece no começo do séc. XX. O processo basicamente converte a informação em ondas eletromagnéticas e as propaga em meio físico, levadas até um receptor, a antena.

gramofone dourado
Gramofone
coleção de rádios
Coleção de rádios

A popularidade da rádio foi tão grande que a década de 1920 foi chamada de ‘rádio boom’. Provavelmente, essa popularidade também está vinculada ao fato de que esse tipo de transmissão melhorou a variação de dinâmica, textura e altura das músicas. Desse modo, a música passa a ficar um pouco mais parecida com o som ao vivo.

Por outro lado, esse processo eletromagnético consegue corrigir certas imperfeições no som, o que já tornaria a música ao vivo diferente da transmitida por esses sinais.

5. O Disco de Vinil

Finalmente, surge a gravação do som no vinil, que acabou mudando significativamente a maneira de se ouvir música. Esse processo da reprodução do som é feito através dos microssulcos do vinil que conduzem a agulha. Assim, agulha vibra e essa vibração é transformada em sinal elétrico para ser amplificado.

O disco foi inventado por Peter Carl Goldmark por volta de 1930, tendo 78 RPM. O aparelho que reproduz o som do vinil, então, é a famosa vitrola, ou toca-discos.

Consequentemente, esse aparelho foi absorvido diretamente nos lares doméstico e tinha a propaganda de substituir o piano em casa. Pois é, a partir daí já podemos entender como a mudança da apreciação da música começa.

dois discos de vinil
Disco de vinil
toca-disco branco em cima de discos de vinil
Toca-discos

6. A Fita Cassete

O que realmente popularizou a música e a fez ser distribuída largamente foi a invenção da fita cassete em 1963 pela Philips. A fita também tem um processo de gravação magnético só que em um formato de fita. A popularização foi enorme porque era um material muito fácil de ser transportado e manuseado.

mão segurando fita cassete no céu azul
Fita cassete

7. A Era Digital

Finalmente, chegamos no Compact Disc, ou CD, no final de 1970, início da era digital. Como o próprio nome induz, a gravação é feita de maneira digital. O CD é um disco feito de acrílico que contém uma espiral. Assim, a gravação é feito por furos na espiral em formas de ponto brilhante e ponto escuro, chamados de bits.

Já a reprodução é feita em aparelhos que contém um laser que reflete a luz pela superfície do CD, sendo captado por um detector. Então, os dados são convertidos em formato binário para o aparelho de som.

O CD veio para substituir quase que totalmente os discos de vinil. Para conseguir fazer essa substituição do vinil para o CD, a propaganda recaia sobre o argumento de que o CD era quase como ouvir a música ao vivo.

Além disso, a indústria fonográfica regravou várias das músicas do vinil no CD para poder revender, alegando que a qualidade era definitivamente melhor. Porém, o som não teve melhorias nenhuma, pelo contrário.

O fato do CD ser binário acabou por limitar as informações e, assim, decair a qualidade do áudio. Essa qualidade só será melhorada com o surgimento do DVD e do Blue-Ray em novos formatos, como o FLAC. Mas essa era digital não para por aí.

Após o surgimento dessas mídias, veio o MP3. Esse é outro processo que diminuiu ainda mais a qualidade do áudio. Esse formato veio junto com o aparelho de reprodução do MP3, como o ipod, por exemplo.

Por último, vem a era do streaming que transformou a música em algo completamente imaterial, trazendo outras mudanças no mercado.

Compact Disc (CD)
Compact Disc (CD)

As principais mudanças com o surgimento da indústria fonográfica

Bem, agora que já falamos da história do registro sonoro, podemos começar a falar das principais mudanças que isso trouxe para a sociedade como um todo.

1. A pirataria

Uma das mudanças mais significativas foi a queda da própria indústria por causa da pirataria, que começou com as fitas cassetes. Esse não foi um problema isolado de um país, mas do mundo inteiro. 

A partir daí, a indústria fonográfica teve que começar a se reinventar, já que lutar contra tem se demonstrado improdutivo.

Podemos dizer que a principal mudança foi não depender apenas da venda de suas músicas, mas sim de toda uma estrutura que vai desde o show até excursões e venda de materiais promocionais. Segundo Ross, algumas organizações começaram a montar guias de audição online, reunir arquivos e vender áudios com qualidade superior.

Além disso, também temos o surgimento do formato do streaming, que representa muito das mudanças do mundo atual: deixar de ser dono de um produto físico e passar a adquirir um serviço.

Antes do streaming, a música já era entendida como algo abstrato e imaterial. Após a eliminação do produto físico palpável, essa visão fica ainda mais fortificada. Mas isso é assunto para outro post.

2. A mudança do registro sonoro

Bem, o primeiro formato do registro do som em si não foi o fonoautógrafo, mas sim a partitura. Portanto, esta dependia que houvesse pessoas para tocar as músicas escritas, pois sem esse intermediário nada aconteceria.

Com isso, o registro passa dessa forma de notação do som para os vários tipos de gravações e reproduções de som. Portanto, retira-se o papel do intermediário, o músico que tocava a partitura, que passa a ser o aparelho reprodutor de som.

3. As mudanças sociais

Segundo Alex Ross, a gravação trouxe uma democratização, fato muito importante para a música popular. Vale falar que a música clássica tem a tradição de notar suas peças em partituras. Contudo, a música popular é feita pela tradição oral.

Portanto, a gravação deu voz às pessoas que estavam à margem, disseminando, por exemplo, o hip hop nos Estados Unidos. Porém, como Ross ressalta, a gravação também disseminou a cultura daquele país, suprimindo as músicas tradicionais de outros povos.

Em outro trabalho sobre o assunto ‘A Indústria Fonográfica como Mediadora entre Música e a Sociedade’ de Lucas Françolin da Paixão, deu-se início, assim, ao processo de massificação.

Isso porque, mesmo a música popular ganhando voz, a indústria acabou por massificá-la para que ela se tornasse popular no sentido de mais disseminada, perdendo suas origens. Com isso, muda-se o sentido do ‘popular’, que passa a significar também algo muito disseminado.

Outro ponto colocado por Ross é que a música clássica passou também a ser disseminada para mais gente, saindo da elite.

4. A indústria cultural

A partir do momento em que a indústria fonográfica transformou a música em algo material, a música deixa de ser arte e passa a ser um produto do entretenimento. Consequentemente, aqui temos a mudança da apreciação da música.

Segundo Paixão, a indústria utiliza recursos à exaustão, repetindo muitas vezes a mesma coisa, criando uma certa norma. Assim, quando algo destoa disso, as pessoas acham estranho. Sobre isso, nós temos um vídeo que traz alguns questionamentos sobre a formação do nosso gosto musical baseado em um dos episódios de Black Mirror.

5. A apreciação musical

Chegamos, portanto, a mudança da apreciação musical. Antigamente, a música era escutada em uma sala de concerto, sendo um evento social. Após o surgimento do registro sonoro, a música passa a ser reproduzida em um aparelho de som, sendo um evento solitário. Além disso, com o surgimento dos aparelhos mp3 e fones de ouvido, o evento se tornou mais solitário ainda.

Sendo assim, a audição não tem mais a interação com os músicos e sim com aparelhos sonoros, ficando alheia ao ambiente social: cada um ouve o que quer a hora que quer. Segundo Leonardo Oliveira do blog Euterpe, isso iniciou o processo de silenciamento das salas de concerto.

Antigamente, não era necessário um silêncio total na sala de concerto como vemos hoje. Isso pode ter acontecido pelo fato de poder se ouvir a música em casa sem interrupções. Assim, a gravação influencia a performance e a própria audição musical.

“Há quem diga que a formação dessa sensibilidade deve muito à cultura fonográfica do século XX, em que se pôde trazer uma gravação pra casa e ouvi-la meditativamente na poltrona da sala. Mas a partir dessa pergunta uma coisa fica evidente: a crítica contra a intolerância à manifestação de entusiasmo do público durante um concerto é obrigada a ceder alguma medida dessa primazia básica”.

Outro fator da apreciação é que nos formatos digitais não temos a mesma variação de dinâmica, timbre e textura de uma orquestra ao vivo. Toda a intensidade sonora e suas variações de um concerto ou um show é difícil de ser captada no digital.

Além disso, há uma forte tendência da indústria fonográfica em deixar as faixas de áudio cada vez mais volumosas e com menos variações. Com isso, perdemos a capacidade de prestar atenção aos detalhes: tudo fica parecido. Sobre isso, temos um vídeo explicando como fazer uma escuta ativa na música.

6. Homogeneização

No começo das gravações, precisava usar o que soava melhor. Assim, os instrumentos alemães e franceses foram considerados melhores. Com isso, o som começa a ficar uniforme.

Essa homogeneização se dá tanto pelo fato de ter timbres mais uniformes como também nos estilos musicais, gêneros, e outros. Esse processo todo acaba acarretando mudanças na performance musical.

7. A performance musical

Com a gravação, tornou-se possível os músicos ouvirem suas próprias interpretações. Com isso, começou a vontade de se tocar cada vez mais perfeito. Portanto, entendia-se que a performance gravada pela eternidade no CD tinha que ser diferente da ao vivo.

Mas não é só isso! Ao se ouvir tocando, os músicos passam a basear suas próximas interpretações em erros ou em algo que ele não gostou quando ouviu.

Além disso, a gravação também trouxe a referência de outros músicos para os próprios músicos. Por exemplo, um cantor pode basear sua próxima interpretação em outro cantor que ele admire.

performance musical: violoncelista girando o violoncelo

Claro que ter boas referências é ótimo, mas isso também fez com que interpretações ficassem homogêneas. Por exemplo, é comum no canto ou em concertos para pianos ter seções de cadencias, que são improvisadas durante a interpretação. Ao gravar essas cadências, outros músicos podem não inventar suas próprias e sim praticar a cadência de outros.

Porém, a música antiga, como já falamos em nosso vídeo, é mais “imune” a interpretações muito homogêneas. É comum que esses artistas criem e ousem bastante no palco, trazendo coisas excepcionalmente criativas. Um grande exemplo disso é o músico Jordi Savall.

8. Instrumentação

A gravação da música também modificou os instrumentos. Com ela, surgiu os instrumentos elétricos como o sintetizador, a guitarra, o baixo elétrico, entre outros. Além disso, temos a música eletrônica hoje em dia, que usa computador como uma interface.

9. Os novos artistas? Os produtores musicais

Por fim, a gravação trouxe uma nova profissão que é o produtor musical. Muitas vezes, toda a concepção de um álbum ou interpretação recai sobre a visão desse produtor. Ele pode afinar o som, colocar efeitos, inserir instrumentos. Enfim, a edição sonora é toda dele. Assim, essa figura com certeza tem uma parte significativa no processo de criação musical.

Indústria fonográfica: produção musical - computadores, mesa de som e mirofone
Produção musical

Para terminar…

Bem, a indústria fonográfica realmente trouxe inúmeras mudanças na nossa sociedade tanto positivas e algumas negativas. Mas pergunto: a gravação suplantou mesmo o público de concerto? Ou as pessoas não querem mais aprender música?

Essa forma de fazer música não retirou nada disso, mas trouxe vários outros formatos. A experiência de ir a uma sala de concerto ou em um show permanece única, por exemplo.
E você? O que achou de todas essa mudanças? Deixe aqui nos comentário!

Referências:

OLIVEIRA, Leonardo T. A desumana exigência de civilidade nos concertos – Soluções?. Euterpe, 20 Fevereiro 2012. Disponível em: <http://euterpe.blog.br/ultimas-paginas/criticas/a-desumana-exigencia-de-civilidade-nos-concertos-solucoes>. Acessado em: Fevereiro, 2019.

PAIXÃO, Lucas Françolin da.  A indústria fonográfica como uma mediadora entre a música e a sociedade. Dissertação de Mestrado. 2013. 104f. Dissertação (mestrado em musicologia). Universidade do Paraná, Curitiba, 2013.

ROSS, Alex. Escuta Só: do clássico ao pop. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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